sexta-feira, 1 de abril de 2011

Livro e sushi

Por Késia Mota

Naquele dia ela acordou cedo, levantou e saiu. Exame de sangue, o médico prescreveu. Detestava aquilo, mas não demoraria muito. Não tinha comido desde as dezoito horas, estava com fome. Esses laboratórios servem apenas um biscoitinho salgado e um café tão fraco! Nenhuma fila, tudo muito rápido. A agulha foi enfiada, o sangue foi colhido, algodãozinho, cozinha, cream-cracker, café fraco e terminou. Voltou para casa pronta para atacar a geladeira. Frutas, leite, pão, margarina, liquidificador, vitamina, torradas, café da manhã. Finalmente! Aquele não seria um dia ruim, afinal. Voltou para a cama, dormiu mais um pouco, lembrou que precisava lavar a roupa, que estava acumulada, trocar os lençóis e as cortinas, limpar a estante. Não tinha jeito, os livros nunca estavam organizados, pensava; mas a partir de então seria mais cuidadosa. Que nada, no dia seguinte já tinha um volume da coleção de Júlio Verne fora do lugar.

Saiu do carro, apressadamente. Passou no laboratório, pegou o resultado do exame, que estava em um envelope de plástico transparente. Jogou dentro da bolsa e foi embora, sem preocupação. Essas bolsas grandes que estão na moda são boas por isso, dá para colocar tudo dentro. Precisava ir buscar um livro que havia encomendado na livraria do shopping. Não faria mais nada enquanto não terminasse aquela leitura. Aproveitou para comer sushi, que adorava, já era hora do almoço.

Lia enquanto comia. Não percebia o mundo ao redor, a não ser o livro e o sushi. O celular tocou, que susto! Era ele. Não teve certeza se deveria atender. Olhou para o visor, um toque, dois toques, três e atendeu. Ele falava como se não tivessem terminado o relacionamento de quatro anos no último encontro que tiveram. Queria vê-la. "Não sei", silêncio e "está bem". Droga! Sempre fazia isso, dizia sim com essa facilidade! Agora que já tinha conseguido romper, por que dizer sim mais uma vez? Ele sorria aquele mesmo sorriso pelo qual se apaixonou. O pior é que nunca desapaixonou. Fizeram amor naquela tarde e ele agiu com a doçura que estava perdida fazia meses, pareceu que tudo era novo. E houve mesmo algo novo. Foi desastrado ou foi inconsequente? Só sei que passaram na farmácia, pílula do dia seguinte.

Algum tempo depois, que coisa estranha. Um mal estar diferente - deve ter sido aquela canjica - enjôo, vômito, olfato super aguçado, seios enormes, mamilos escurecidos, "não é possível!", nenhum sangramento. Lembrou-se daquele resultado de exame abandonado e da nota fiscal do livro. Essas bolsas grandes que estão na moda são ruins por isso, perde-se tudo o que se coloca dentro. Data: exatamente um mês atrás. Imagina só, saberia para sempre o momento exato em que um ser humano invadiu a sua vida.

Clube do Conto da Paraíba, 08/11/2008.
Tema: invasão.

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